Foto: Paulete Matos
Numa altura em que a geringonça política provou ser uma máquina que funciona, as eleições autárquicas ganham nova vida. E, por consequência, a mensagem torna-se mais difícil de distinguir, especialmente quando a Assunção troca as roupas de designer e o Mercedes, para se misturar com o povo de calças de ganga e bicicleta. São também lançadas ideias que vão além das 20 estações, por exemplo segregação nas carruagens do metro. Coisas de outros tempos.
Numa procura por coerência, e por ser o primeiro ano em que vivo as eleições em Lisboa, decidi entrevistar o candidato que apoio, Ricardo Robles, do BE. Nesta entrevista, que pretende ser esclarecedora, o candidato dá-nos a conhecer a visão que tem para a cidade de Lisboa, percorrendo tópicos que são bandeira de campanha: habitação, transportes, precariedade e transparência. Houve ainda tempo para conversarmos sobre direitos, tanto de pessoas como de animais.
Leonardo Rodrigues: Quem é Ricardo Robles, e porque podem os lisboetas confiar em ti?
Ricardo Robles: Nasci em Almada, sou Engenheiro Civil de profissão - especialista em reabilitação e eficiência energética -, activista, estive na fundação do Bloco de Esquerda. Nos últimos quatro anos fui líder da bancada do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Lisboa. O nosso mandato na Assembleia Municipal provou que o Bloco faz falta também na Câmara, e temos propostas que melhorarão a vida de quem cá vive e de quem cá quer viver. Creio que estes são os principais motivos pelos quais os lisboetas nos devem confiar os seus votos, seja na lista que encabeço à Câmara Municipal de Lisboa, seja na lista à Assembleia Municipal, seja ainda nas listas de todas as freguesias de Lisboa.
LR: Que rotinas tens, individualmente e em família, quando não estás em campanha para a maior Câmara do país?
RR: As rotinas são semelhantes às da maioria dos lisboetas: trabalho, família, amigos, lazer. Sempre que posso gosto de praticar desporto, sobretudo futebol com os amigos. Na fase da campanha algumas destas coisas ficam adiadas.
LR: Enquanto lisboeta, a vida tem vindo a mudar para melhor ou pior?
RR: Haverá certamente aspetos em que a vida de quem vive em Lisboa - e de quem nos visita, já agora - melhorou, e outros em que piorou. Todos os que, como nós, gostam da democratização do turismo, de ter uma cidade cosmopolita e aberta ao mundo, sentem que isso foi algo de muito bom para Lisboa. Faltou, no entanto, estar precavido para a outra face da moeda. A vida de quem cá vive piorou bastante no acesso à habitação, pois a procura de Lisboa, conjugada com a política dos Vistos Gold, provocou um aumento dos preços na habitação que, literalmente, expulsa os lisboetas de locais onde antigamente habitavam. A este respeito, não temos como não nos lembrar da Lei dos Despejos, lei essa que tem em Assunção Cristas a sua autora. A mobilidade em Lisboa, nomeadamente a qualidade dos transportes, está também muito pior. O Governo PSD/CDS desinvestiu no Metro e na Carris para desvalorizar estas empresas públicas, preparando-as para uma entrega a privados. Este desinvestimento - que se deu ao nível de motoristas, comboios/autocarros/ elétricos, nas oficinas etc... - teve um impacto brutal que todos nós sentimos: aumento dos tempos de espera, carruagens e autocarros cheios e uma experiência terrível que todos sentimos no dia-a-dia.
LR: No teu entender, qual deverá ser o foco da CML no próximo mandato?
RR: As nossas prioridades estão bem definidas: habitação, transportes, luta contra a precariedade, e, por fim, mas muito importante, transparência. Acrescentando algo ao que já disse sobre habitação e transportes diria o seguinte: na habitação é necessário estancar a venda de património municipal, para que este possa ser colocado no mercado a preços acessíveis. Se tal for feito, não só temos habitação disponível a preços acessíveis, como o mercado poderá ver-se obrigado a baixar os preços que atualmente estão a ser praticados. Quanto aos transportes, bater-nos-emos contra a ideia da linha circular que Fernando Medina quer criar no Metro. Ao invés, a nossa proposta vai no sentido de estender a linha de Metro a zonas que não o têm, e falo da zona ocidental (Campolide, Campo de Ourique, Alcântara, Ajuda e Belém). Queremos tornar ainda Lisboa na cidade precariedade zero, pois não é admissível que a CML não valorize e não dignifique o trabalho. Os falsos recibos verdes têm de terminar, e a CML tem de privilegiar parceiros que respeitem a lei laboral. Quanto à transparência, e assim tenhamos força para tal, iremos pugnar por uma informação completa e exaustiva de todos os negócios que envolvam a CML. O BE, nestes últimos 4 anos, esteve na linha da frente da denúncia de uma série de decisões que nos levantaram dúvidas como p. ex. a adjudicação dos terrenos denominados como triângulo dourado, o conhecido processo do Hospital da Luz. Estas são algumas linhas gerais do nosso programa.
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LR: O que pode o Bloco de Esquerda fazer por Lisboa, e que o PS apenas prometeu?
RR: Esta é uma questão muito importante. O PS está na CML há 10 anos - 8 com maioria absoluta - e há uma série de promessas adiadas. Há exemplos recorrentes, como corredor bus na A5, que todos os actos eleitorais vem à tona, mas que nunca foi cumprido; há exemplos que mostram a incapacidade do PS, como o de terem - e bem - levado a cabo um estudo para ver quantas creches eram necessárias e, depois desse levantamento ter sido feito, apenas terem criado 12 das 60 creches prometidas. Em conclusão, o PS assume-se nestas eleições com um discurso do "agora é que é", mas os lisboetas sabem que se 8 anos de maioria absoluta não tornaram as promessas realidade, não serão mais 4 que o farão. Esta é a prova que as maiorias absolutas, nas Câmaras como no País, não são benéficas para a população.
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LR: Antevês uma solução para o caos que diariamente os lisboetas enfrentam com a Carris e o Metro?
RR: Isso dependerá do resultado eleitoral. Se a escolha for dar força ao BE, cremos que é possível voltar a dar dignidade à Carris e ao Metro. Em ambos os casos, será necessário investir e tomar medidas que favoreçam a população. Aproveito para acrescentar mais duas propostas do BE que passam por baixar os preços dos bilhetes, para que seja possível recuperar os 59 milhões de passageiros que os transportes perderam; e aumentar a frequência dos comboios e das carreiras - neste caso, estudando novas rotas – que é essencial para que as pessoas possam optar por não usar carro.
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LR: O custo no acesso à habituação no concelho de Lisboa continua a ficar mais elevado, quer através do arrendamento quer através da compra. Como se devolve a cidade a quem já não a pode pagar?
RR: A habitação é um dos maiores problemas em Lisboa. Já tive oportunidade de vos responder a algumas questões quanto a este problema, mas há mais a dizer. A CML tem direito de preferência sobre todas as transações sobre imóveis que sejam realizadas no Município. Este direito tem de ser exercido, para que, posteriormente, a CML possa colocar estas casas no mercado a preços acessíveis. Outra medida que é essencial passa por tornar obrigatório que quando um prédio em propriedade horizontal vai ser construído ou reabilitado, o construtor saiba que tem de deixar uma percentagem de fogos para habitação a custos controlados. Nós defendemos que seja pelo menos de 25%. Exemplificando, se se constrói um prédio com 100 fogos, 25 destes terão de ser reservados para habitação a custos controlados pela CML. Só assim é possível combater os desequilíbrios que temos sentido.
LR: O turismo, que tanto contribuí para os bons números da economia, está a mudar as nossas vidas, nem sempre para melhor. Temos de receber menos pessoas ou criar melhores condições para as receber, sem comprometer as de quem pertence à cidade?
RR: O turismo é bom para a cidade de Lisboa, é bom para os lisboetas e, claro, é bom para quem nos visita pois tem acesso a uma cidade com uma riqueza ímpar, a todos os níveis. O tempo tem dado razão ao BE nesta questão, já que há 4 anos tínhamos a cobrança da taxa turística que é agora cobrada. O problema é que Fernando Medina entregou às entidades que exploram o turismo a gestão da verba que o Município cobra, isto é, tira com uma mão para dar com a outra. A grande diferença é que o BE propõe que a taxa turística sirva para minorar os efeitos do turismo, desde logo servindo para financiar a já referida habitação que será colocada no mercado a preços acessíveis. Propomos ainda que esta taxa turística seja aumentada para 2 euros por noite.
LR: Muitos jardins e espaços verdes em Lisboa, fora do sítios que inglês vê, estão entregues à sua sorte. Pode a câmara cuidar de todos?
RR: Pode e deve. É uma obrigação da CML zelar pela sua propriedade. A manutenção de alguns dos espaços verdes passaram para a responsabilidade das juntas de freguesia. Em ambos os casos a manutenção deve ser uma prioridade para que os lisboetas possam usufruir destes espaços.
Fugindo aqui ao âmbito da pergunta, mas uma vez que é colocada a função do Município como zelador do património municipal, queria referir o estado lastimável em que se encontram a esmagadora maioria dos bairros municipais. Temos conhecimento de muitos elevadores que não funcionam - deixando as pessoas de mobilidade reduzida presas em casa ou dependentes de familiares -, pequenos reparos que ficam por fazer, a limpeza nestes bairros é descurada. A CML não pode ser o pior dos senhorios. No outro dia, em visita a um destes bairros, uma senhora contou-me que foi à Gebalis pedir para que esta assumisse a pintura de uma zona da sua casa que estava degradada e aquela empresa disse-lhe que levasse ela as tintas e pintasse. É um caso, como tantos outros, que revela que algo tem de mudar.
LR: Com uma câmara liderada pelo BE, continuaria o Terreiro do Paço a ser cedido à ILGA para o Arraial Pride, nos atuais moldes?
RR: O Bloco de Esquerda estará, como sempre esteve, na linha da frente no apoio aos direitos LGBTI. Como tal, o BE valoriza todas formas que sirvam para cristalizar estes direitos na nossa sociedade. O Arraial Pride continuará a realizar-se - podendo a CML aprofundar a forma de colaboração, garantindo, p.ex., um protocolo de cedência do espaço por 5 anos -, mantendo-se, igualmente, o Festival Queer, a Marcha do Orgulho LGBTI sendo que, também nestes casos, o caminho é aprofundar formas de colaboração. É importante garantir o apoio da CML às associações que se envolvem na preparação e realização destes eventos.
Todas as formas de combate à descriminação, onde se inclui também, por exemplo, Festival da Diversidade, contarão com o apoio do Bloco de Esquerda, afinal, esta é uma das nossas matrizes identitárias.
LR: Continuam a existir na cidade situações em que grupos LGBTI são vítimas de algum tipo de violência. Pode também uma câmara educar, para promover igualdade entre todos e combater o bullying?
RR: Claro que sim. Sabemos bem que as alterações legislativas são importantes, mas não são suficientes. Há um caminho que começou a ser percorrido, mas que ainda tem estrada para andar. Esperando que todos os tipos de violência sejam julgados e condenados, a CML tem de fazer o que lhe compete para promover a igualdade e os direitos LGBTI. O Bloco de Esquerda defende a abertura de um Centro Municipal de Acolhimento e Cidadania LGBT+. Um espaço que defenda e promova os direitos humanos e que ajude e albergue vítimas de discriminação e violência, preste apoio social e psicológico e disponibilize aconselhamento jurídico.
LR: Em 2017, têm as touradas lugar numa cidade como Lisboa?
RR: Não. Uma CML liderada pelo BE não apoiará qualquer atividade tauromáquica. No nosso programa assumimos explicitamente um compromisso de não autorização de espetáculos com animais. A associação de Turismo de Lisboa, que é presidida pelo presidente da Câmara Municipal, não deve associar-se a espetáculos com animais nem participar na publicitação dos mesmos.
LR: Para terminar, com tópico dos animais, a atual câmara parece impotente no que diz respeito a animais sem lar. Que sugeres para melhorar a qualidade destes coabitantes?
RR: Nesta campanha, já tive oportunidade de visitar a Casa dos Animais, o LxCRAS e de intervir em vários debates sobre os direitos dos animais. A Casa dos Animais de Lisboa (CAL), o centro de recolha oficial, é responsabilidade direta da Câmara Municipal. Nos últimos anos estas instalações melhoraram com algumas obras, fruto da pressão cidadã, mas continuam a ser insuficientes para garantir o bem-estar dos animais da nossa cidade. A Casa dos Animais está sobre lotada e fecha as portas quando os munícipes pedem ajuda para que acolha e trate animais. Tal não pode acontecer, pelo que a CAL tem de estar aberta 24 horas por dias, sete dias por semana.
Iremos igualmente lutar por campanhas de esterilização e adopção, sendo que só assim poderemos garantir o bem estar animal, bem como ir diminuindo o número de animais errantes.
Uma palavra final para a figura do/a provedor/a dos animais. Este papel terá de se assumir como verdadeiramente independente e com meios que lhe permitam exercer a sua função. Defendemos também que o/a provedor/a não seja encontrado/a por meio de nomeação política, mas sim através de uma eleição.
LR: Obrigado!
Seja qual for a vossa cor política, votem sempre!
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